segunda-feira, 21 de março de 2011

dois contos, um filme, um teatro

"Estava em tudo e em lugar nenhum, e gritava: NÃO QUERO MAIS SER EU"
Assim, subitamente, Maria Lúcia acordara de um sonho que não era sonho, mas sim uma daquelas reflexões em que nós perdemos na distinção do que é real e o que é pensamento.
Levantou-se, agora observava um espelho e pensava: NÃO QUERO MAIS SER EU, essa afirmação não saia-lhe da cabeça. Por um instante lhe ocorreu a impressão de ter ouvido um resposta: QUAL EU?
Espantada, prende seu olhar fixamente ao espelho, e num tombo de lucidez, se perde novamente em pensamentos, perdida, sem rumo, sem chão, num plano complexo, complexado. QUAL EU? Existia mais de um  eu em um só ser humano? Não sabia de fato responder a essa questão, mas no momento beirava a dúvida por se dizer que sim.
E se realmente houvesse de ter que ser sim essa resposta?
Maria Lúcia aceitou o sim, não quero mais ser eu, esse eu que todo mundo vê, que todo mundo sente, que todos presenciam, mas que no fundo não sou eu.
-Vontade de viver- era o que soava do espelho; Maria Lúcia queria viver o eu que tem como garantia aproveitar o sublime que a vida nos oferece, para que na hora de sua morte não viesse-lhe a cabeça a ideia de que não tinha vivido. E repetia Maria Lúcia:
-Quero largar tudo o que faço para fazer o que quero, quero largar tudo o que faço para fazer o que quero; quero fazer tudo o que quero e largar tudo o que faço. Eu quero largar tudo o que faço?
E nesse exato momento lhe veio a dúvida de qual eu era melhor para se ser, o eu que vivia na comodidade da vida como ela é, ou o eu da vontade de viver, o eu livre sem medo do ridículo; a dúvida era grande, densa, pesava-lhe em suas costas. E vontade de viver gritava por dentro: DEIXE-ME SER, Maria Lúcia, me acolha em seus braços, dê-me forças para existir, DEIXE-ME SER, Maria Lúcia.
Ainda com o olhar fixo no espelho, não estava compenetrada de que a vontade de viver era a melhor escolha, mas pensava deliciosamente como seria fazer tudo o que desejava, e deixar de ser esse eu que não era eu. Contudo, vinha a dúvida, esta existia. A dúvida era maior que a vontade de viver, a dúvida era maior, mesmo que de algum modo, a revelia dela lhe tivesse passado pela cabeça a vontade de viver, já era tarde, a comodidade talvez lhe caísse bem, era tarde, apagava a luz, não se via mais o espelho. Maria Lúcia era um só eu e dormia.